terça-feira, 30 de agosto de 2011

Só dezenove centavos

Se ele chegar eu saio com ele. Agora, se ele não vier, aí nunca mais. Mas eu queria que ele viesse hoje porque consegui puxar o cabelo para trás sem que nenhum fiozinho ficasse para fora desse ramo que fiz. Se meu cabelo fosse flor, seria hortênsia. Que combinam muito bem com meus óculos. Hortênsia e óculos fazem uma bonita conjuntura.
Meus óculos têm um grau qualquer e servem muito bem em mim. Mas o caso é que não sei se tenho algum problema de vista. Eu enxergo tão bem. Tanto que preciso dos meus óculos para de vez em quando.
Daqui de onde estou posso ler aquela placa com uma facilidade impressionante. Daqui de onde estou vejo que as laranjas custam só dezenove centavos. Eu uso óculos o dia todo e os procuro por toda parte se não estiver com eles. Por exemplo: tem um desenho bonito e cabem muito bem no meu rosto.
Se eu não usasse óculos alguma coisa faltaria em mim. Mas eu não saberia dizer o que é, porque eu uso óculos. Então o que me falta é justamente, pois então, uma coisa que não me faz falta.
Estou hoje com uma calça verde que me aperta e meus sapatos não são meus. Mas não era nada disso que eu queria falar. Eu só fico falando, quando não tenho nada para falar e também esperar não é o meu forte. Porque se ele não vier. E eu tiver que lidar com aquelas laranjas que custam dezenove centavos o dia inteiro. Eu não quero chupar laranjas e nem esperar e é por isso, agora posso concluir com certeza, que eu uso óculos.
Agora, se por acaso, eu tocasse algum instrumento, eu não estaria aqui esperando, ou sabendo quanto custam as laranjas e nem esperando. Eu estaria tocando meu instrumento. E se, de alguma forma, alguém me perguntasse o que faço, eu diria: eu não uso óculos. Porque, com certeza, eu não usaria.
Se ele chegar eu saio com ele. Agora, se ele não vier, aí nunca mais. E também eu peguei esses sapatos emprestados e eles caem bem com essa calça que está me apertando. Eu gosto de combinar as coisas e de fazer um conjunto que, no total, não se parecem combinados, mas que no fundo, sabemos que combinam muito bem.
Tirando os óculos, as laranjas custam dez centavos, porque - o nove - perde aquele rabinho que o caracteriza. Só para variar um pouco eu gosto de pensar nos dez centavos. Aquele – dezenove - centavos estava aumentando a minha espera. Esperar devia ser um momento quase cego. Mas com luz, porque tenho que confessar que tenho medo do escuro e é por isso que eu uso óculos.
Como meu cabelo está bem puxado para trás, pode-se pensar que eu tenho os olhos pequenos e aí coloco os óculos. É um pequeno truque que eu faço, para que eu fique mais alta. Ele, com certeza, me acha mais alta do que eu sou. Agora, se eu tira-los, ele vai saber exatamente o meu tamanho. Mas talvez, seja melhor.
Esse negócio de sempre precisar de alguma coisa, está cada vez mais cansativo. Porque eu sempre fico procurando quando os perco e sempre perdendo quando não estou procurando. Daí não sobra muito tempo para outras coisas, como por exemplo, chupar laranjas. Se ele não vier eu nunca mais saio com ele.